O quarto dia do SP Meeting INCT Klimapolis, realizado no auditório da Oca, dentro da Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, reuniu pesquisadores, gestores públicos, lideranças comunitárias e cidadãos interessados em refletir sobre os desafios que as mudanças climáticas impõem às cidades. A programação do dia foi marcada por debates sobre o uso do solo, os grandes projetos de infraestrutura, as tensões em torno da produção de energia e os caminhos para tornar os territórios urbanos mais resilientes e justos.
Logo na abertura, as discussões abordaram a gestão do uso e ocupação do solo em áreas de mananciais, com ênfase na Bacia da Guarapiranga. Os conflitos gerados pela ocupação irregular, a dificuldade de fiscalização e os novos desafios trazidos pela crise climática foram colocados em pauta como questões que afetam diretamente a qualidade de vida da população. Nesse contexto, destacou-se a necessidade de pensar em políticas públicas que articulem preservação ambiental, urbanização e justiça social.
Outro eixo central das apresentações tratou das inovações e desafios para o planejamento urbano no Brasil em meio à emergência climática. Foram discutidas as limitações dos instrumentos tradicionais de planejamento e a necessidade de integração entre programas nacionais e municipais, como o Plano Diretor Estratégico de São Paulo, o Programa Mananciais e o PAC. Essa articulação foi apontada como fundamental para enfrentar de forma consistente os efeitos das mudanças climáticas.
As tensões entre desenvolvimento econômico e direitos sociais também estiveram em foco, com destaque para os impactos da expansão dos empreendimentos eólicos em comunidades tradicionais. O caso do Quilombo de Macambira, no Rio Grande do Norte, foi apresentado como exemplo de como grandes projetos podem ameaçar o direito à moradia e à permanência em territórios ancestrais. O debate apontou para a necessidade de repensar o modelo de implantação de empreendimentos energéticos, garantindo consulta prévia e efetiva participação das comunidades.
Em seguida, o papel da cultura e da assistência técnica foi trazido como elementos indispensáveis para colocar os territórios no centro das políticas urbanas. Foi ressaltada a importância de incluir a cultura na agenda de desenvolvimento e levar assistência técnica de qualidade aos canteiros de obras, como forma de aproximar as políticas públicas da vida cotidiana da população.
Outro momento de reflexão crítica veio com a apresentação sobre João Pessoa, que expôs as contradições entre discursos de adaptação climática e as práticas reais implementadas. Essa distância entre teoria e prática foi apontada como um dos grandes entraves para que o país avance no enfrentamento da crise climática de forma efetiva.
A segunda parte da programação se concentrou no tema da resiliência em territórios vulneráveis. Foram discutidos os limites da atual forma de medir riscos, o potencial das cartas geotécnicas como instrumentos de prevenção e gestão de desastres e experiências internacionais que mostram caminhos de integração entre planejamento urbano, financiamento e participação popular. O exemplo chileno de ordenamento territorial em áreas costeiras foi citado como referência na articulação de projetos capazes de mobilizar visões comuns.
Também estiveram em evidência os desafios vividos em assentamentos precários localizados em margens de rios e áreas de risco em cidades como Fortaleza. Nessas realidades, a crise climática agrava problemas já existentes, ampliando a exposição a desastres e doenças de veiculação hídrica, que tendem a se intensificar com o aumento das enchentes e a pressão sobre o saneamento básico.
Entre as falas do público presente, um depoimento chamou a atenção pela força simbólica. O servidor aposentado Carlos de Jesus Campos, de 78 anos, acompanhou atentamente as apresentações e fez um apelo direto para que as reflexões não se esgotem em teorias: “A base do problema de sustentabilidade do Brasil surgiu em 1500 e se perpetua com as fracassadas tentativas de reforma agrária. No alto dos meus 78 anos e depois de trabalhar muito nas prefeituras de várias cidades, o que apelo é para que as discussões não fiquem na teoria, mas alcancem atitudes práticas, como moradias mais dignas e perto do trabalho para as pessoas.” Carlos ainda sugeriu que seja criado um grupo de trabalho após o evento, capaz de dar continuidade às reflexões e transformá-las em propostas concretas para as cidades brasileiras.
Ao longo de todo o quarto dia, a tônica das mesas e falas foi a mesma: compreender que os grandes projetos de infraestrutura, as políticas públicas e os planos urbanísticos não são apenas estruturas técnicas, mas processos que se materializam nos territórios e impactam diretamente comunidades e ecossistemas. As discussões reforçaram a urgência de articular planejamento urbano, justiça social e estratégias de mitigação de riscos de forma integrada.