A programação do primeiro dia do SP Meeting 2025- INCT Klimapolis, foi concluída com a Conferência Ciências do Clima, Teoria Ator Rede e os Laboratórios do Mundo Real, que contou com a presença do professor Stelio Marras, do Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Na palestra ele explorou as relações entre território, cultura e ecologia, propondo uma reflexão profunda sobre a forma como pensamos o sujeito e o espaço urbano. O debate, mediado por Rita Ynoue e Ana Paula Koury, coordenadoras dos Experimentos do Mundo Real (EMR) do INCT Klimapolis, destacou a importância da interdisciplinaridade e da integração entre saberes locais e acadêmicos.
Marras partiu da ideia de estudar “a região que se esconde”, referindo-se a espaços urbanos e naturais que historicamente ficam à margem das grandes análises arquitetônicas e ambientais. Ele resgatou discussões da virada da arquitetura dos anos 1990, quando projetos começaram a valorizar a permeabilidade entre o construído e o natural, aproximando arquitetura, ecologia e humanidades.
O pesquisador destacou como pensadores recusam negacionismos e trabalham de forma criativa para integrar perspectivas heterogêneas, gente e mundo, futuro e natureza, social e cósmico, em suas análises. Segundo Marras, essa abordagem permite compreender territórios e comunidades de forma mais complexa, sem reduzir o sujeito a categorias fixas ou essencialistas.
Citando autores contemporâneos, Marras enfatizou que o pensamento crítico emerge da relação entre o território e a terra, e não apenas de construções abstratas sobre sociedade ou cultura. Ele se apoiou também em conceitos do filósofo Bruno Latour, sobre como deuses, forças ou estruturas sociais não mais determinam rigidamente o sujeito, mas participam de redes de trocas e transformações, em que o sujeito é vida em interação com o cosmos, a sociedade e o ambiente.
O debate permitiu aprofundar essas reflexões, conectando as ideias teóricas de Marras com os Experimentos de Mundo Real, que aplicam esses conceitos em contextos concretos, como comunidades costeiras e áreas urbanas vulneráveis. Os EMRs funcionam como laboratórios vivos, integrando ciência, saberes tradicionais e participação comunitária para pensar soluções resilientes e inclusivas diante da crise climática.
A palestra reforçou a importância de se olhar para o espaço urbano e o território de forma integrada, considerando tanto os processos sociais quanto os ambientais, e de cultivar uma abordagem interdisciplinar que conecte filosofia, antropologia, arquitetura e ciência para enfrentar os desafios contemporâneos.
Marras propôs uma análise crítica sobre os impactos sociais e ambientais do novo regime climático e político, chamando atenção para como a vida contemporânea é marcada por desigualdades e pela “diminuição dos pobres”, e não apenas por sua mobilização. Segundo ele, a forma como a sociedade se organiza, suas leis, economia, urbanismo e política, está sendo profundamente desafiada pelos efeitos da mudança climática.
O pesquisador destacou que, diante desse cenário, o conceito de Gaia, reinterpretado por diferentes pensadores, torna-se central. Ele ressaltou que estamos diante de uma “desestabilização vertiginosa”, na qual evidências históricas progressivas se mostram insuficientes para compreender e agir sobre o presente e o futuro.

Marras também comentou sobre a relação entre o humano e o cosmos, para ilustrar como decisões isoladas, muitas vezes distantes do contexto ambiental real, impactam o planeta, enquanto atores poderosos buscam horizontes em Marte ou em outros espaços externos.
A palestra destacou a urgência de repensar a posição do humano no mundo, a interdependência entre sociedade e natureza, e a necessidade de políticas e práticas que integrem ciência, saberes tradicionais e reflexão filosófica, criando soluções mais resilientes e inclusivas.
Um ponto central foi a relação entre liberdade humana e natureza. Marras defendeu que a exploração consciente e irrestrita das funções naturais permite a afirmação plena do espírito humano, proporcionando liberdade, autonomia e empoderamento material no espaço urbano. Segundo ele, compreender essas relações é essencial para construir cidades resilientes e inclusivas, capazes de integrar ciência, saberes populares e participação comunitária.
Além das análises técnicas e científicas, Marras trouxe referências filosóficas e sociológicas, para ilustrar como as mudanças globais impactam o cotidiano e desafiam concepções históricas de progresso. A palestra reforçou a importância de repensar o papel do humano, não apenas como agente impactante, mas como participante ativo de redes socioambientais, capaz de articular liberdade, responsabilidade e cuidado com a vida e o território.
O debate que contou também com a palestra do Professor Tércio Ambrizzi foi mediado pelas pesquisadoras Rita Ynoue e Ana Paula Koury e aproximou essas ideias de experiências concretas nos EMRs, em que pesquisadores e comunidades colaboram para desenvolver soluções locais para problemas como escassez hídrica, vulnerabilidade socioambiental e degradação costeira. A integração entre conhecimento acadêmico e saberes tradicionais mostrou-se um caminho fundamental para enfrentar a crise climática de forma ética e efetiva.